Eu
podia ouvir o ruído do motor dos carros lá fora. O clima frio atraía cada vez
mais pessoas para dentro do café. Estava cheio, do meu lado esquerdo uma
garotinha de cabelo escuro reclamava com o pai sobre algo que não pude escutar.
O balcão estava repleto de pessoas ansiosas pelos seus pedidos. Ao fundo uma
fila pequena se formava perto de uma daquelas máquinas de música, os clientes
se revezavam para escolher a próxima canção. O senhor sentado algumas mesas a
minha frente fumava um charuto grande, apenas seus cabelos grisalhos seriam
capazes de revelar sua idade. Ele olhava para os lados como se precisasse ter
certeza de que ninguém o observava. Encarei-o. Ele parecia preocupado, quase em
alerta. Quando seus olhos se viraram na minha direção eu pude jurar que o
reconheci. Afastei o pensamento. Ele me encarou de volta e com o terno preto e
os sapatos perfeitamente engraxados se levantou e foi se desvencilhando das
pessoas ao redor até chegar a saída, onde me lançou um olhar que não pude
decifrar e então atravessou a porta. Fui tirada do meu devaneio com a voz da
garçonete:
-
Com licença?
-
Me desculpe, aqui está! - entreguei o dinheiro a ela e levantei.
O ar do lado de fora era quase todo
feito de fumaça, a rua totalmente deserta era repleta de carros estilhaçados. O
céu tinha uma tonalidade estranha, como se o sol se recusasse a se por
totalmente. Eu podia ver minha própria respiração se formando em frente ao meu
rosto. Me encolhi e puxei meu casaco para mais perto. O vento cantava nos meus
ouvidos. Um gato passou correndo por mim e se escondeu embaixo de uma lata de
lixo no meio da rua. Enquanto caminhava pela calçada quebrada avistei uma
figura a alguns metros. Um garoto alto estava parado entre mim e o próximo
quarteirão. Seu cabelo era de um dourado brilhante, os fios ondulados caiam por
seu rosto fazendo com que eu não pudesse vê-lo completamente. Ele vestia uma
calça escura simples e uma blusa branca fina. Estava descalço mas não parecia
sentir frio. Eu parei. Ele me encarou e por um instante pensei que pediria por
ajuda, ao invés disso ele se virou e correu em direção a uma ponte à nossa
frente. O garoto parou, de costas ele parecia apenas contemplar a vista do rio
verde. Comecei a caminhar em sua direção enquanto tentava ignorar o coração
martelando cada vez mais rápido no peito. De frente para o rio ele se apoiou na
barra de ferro e subiu na grade. Ele parecia calmo, impassível com a minha
presença. Até que, com um equilíbrio incrível e ainda em cima do parapeito ele
se virou de frente para mim. Nos encaramos. Seus olhos não desviaram dos meus.
Nenhum traço de desespero passou por seu rosto, nenhuma emoção. O mundo parou.
O silêncio pairou sobre o momento. Nem mesmo o som do vento podia ser ouvido,
apenas sua respiração, forte e controlada. Então o garoto de cabelos dourados
abriu os braços e, de olhos fechados, caiu direto para a escuridão do rio.